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É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.

Transporte Público, Falácias Lógicas e o Direito à Cidade

non-tech capitalism politics

Petrópolis, como muitas cidades pelo Brasil, observou uma redução da frota de ônibus nos últimos anos. A redução se intensificou no período da pandemia, mas aqui tivemos um evento agravante: um incêndio destruiu uma parte considerável da frota das empresas que atendiam mais de 40% das linhas do município.

Depois de muito tempo sem a frota completa – um jornal local conta 1 ano e 307 dias até o dia 18/03/2025 – a Justiça determinou o retorno de 100% dos ônibus em 30 dias. As empresas de ônibus pediram para se encontrar com o magistrado. O comunicado delas traz o seguinte trecho muito da cara de pau:

As transformações sociais e de trânsito, como o aumento da taxa de motorização, que levou Petrópolis à segunda maior da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com 684 veículos para cada mil habitantes, mostra o quanto o sistema de transporte é dinâmico. Sendo assim, é insustentável paralisar a gestão de uma empresa e retroceder ao que era programado em 2019.

A linha argumentativa dos empresários de transporte parece ser “não dá para voltar a como era antes, muito mais gente tem carro ou moto agora”… Citam até o grande número de automotores por habitantes. Difícil para mim não colocar o chapéu do folclórico ateu de internet que tem nomes de falácias lógicas decorados quando leio um descaro desse tipo. Está ocorrendo uma óbvia inversão de causa e efeito.

O número de veículos particulares não aumentou porque o ✨sistema de transporte é dinâmico✨, por mágica ou porque as Moiras teceram assim. Ele aumentou porque depender do transporte público aqui é uma merda.

Muita gente decide gastar com um carro ou moto porque se submeter aos longos períodos de espera nos pontos, às viagens canceladas sem aviso prévio, às quebras e aos itinerários com poucas viagens é indigno. Já fui usuário diário do sistema e planejar uma viagem curta aqui pode parecer uma operação de guerra. Se eu sair agora, terei ônibus para voltar? Será que o ônibus que saiu há 10 minutos do ponto final já passou por aqui? Se passou, isso significa mofar 1h30 em pé no ponto. Será que eu arrisco? Ih, perdi o último ônibus, fodeu.

Isso me emputece demais porque é uma questão de direito à cidade. Não adianta existirem eventos culturais e de entretenimento, serviços públicos e oportunidades de trabalho se conseguir chegar nos locais que os oferecem é um inferno. Limitar esse acesso aos que podem ser dar ao luxo de comprarem a sua gaiola sobre rodas é elitizar1 o que deveria ser de todos.

Que as empresas de ônibus se sintam confortáveis para divulgar uma nota falando em “sistema de transporte dinâmico” e “insustentável retroceder ao que era programado em 2019” é sinal de que há algo muito errado.

Talvez as pessoas devessem ser mais ateias de internet de vez em quando.


  1. Vale o lembrete de que em 2025 o automóvel mais pé-de-boi disponível custa mais de R$ 70.000,00. Calcule aí quantos meses você precisa trabalhar para acumular essa quantia. ↩︎

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