Realismo Capitalista
capitalism politics psychology nonfictionEditora: Autonomia Literária
Páginas: 218
Idioma: português
ISBN-13: 9786587233093
ISBN-10: 6587233090
Não poderia recomendar mais. Gostei muito dessa leitura. É curtinha e impactante. Citando novamente o comentário sobre o livro no posfácio da edição da Autonomia Literária:
Rápido e sem muita estrutura, a ordem é menos importante do que a densidade conceitual expresssa, muitas vezes, em slogans: ideias compactadas que subitamente oferecem uma nova inteligibilidade a fenômenos familiares.
Uma sensação que me acompanhou do início ao fim foi a do “estalo”. O Ah, então era isso que eu estava pensando ou sentindo e não sabia definir direito.
O assunto principal é a concepção homônima do livro. O realismo capitalista é a ideia hegemônica de que o único sistema de produção possível é o capitalista. Como tal, nem se imagina alternativas. Não é “realista” fazê-lo. O capitalismo seria como um fato da natureza, como a gravidade.
Uma posição ideológica nunca é realmente bem-sucedida até ser naturalizada, e não pode ser naturalizada enquanto ainda for pensada como valor, e não como um fato. Não por acaso, o neoliberalismo tem procurado acabar com a própria categoria de valor em um sentido ético. Ao longo dos últimos trinta anos, o realismo capitalista implantou com sucesso uma “ontologia empresarial”, na qual é simplesmente óbvio que tudo na sociedade, incluindo saúde e educação, deve ser administrado como uma empresa.
A interseção que o autor faz entre saúde mental e capitalismo é um exemplo da tal “densidade conceitual expressa” do posfácio. O Mark Fisher resume muito melhor do que eu seria capaz de fazer.
Em vez de atribuir aos indivíduos a responsabilidade de lidar com seus problemas psicológicos, aceitando a ampla privatização do estresse que aconteceu nos últimos trinta anos, precisamos perguntar: quando se tornou aceitável que uma quantidade tão grande de pessoas, e uma quantidade especialmente grande de jovens, estejam doentes? A “epidemia de doença mental” nas sociedades capitalistas deveria sugerir que, ao invés de ser o único sistema que funciona, o capitalismo é inerentemente disfuncional, e o custo para que ele pareça funcionar é demasiado alto.
Essa patologização em si já bloqueia qualquer possibilidade de politização. A privatização destes problemas – tratando-os como causados por desequilíbrios químicos na neurologia do indivíduo e/ou por seu histórico familiar – já descarta de início qualquer questionamento sobre sua causa social sistêmica.
Mas nem só de ideias que eu já tinha e não sabia expressar vive esse livro. Os comentários sobre cultura são bem perspicazes. Eu via a homogeneização das obras de forma simplista. Pensava que se inovava pouco simplesmente por falta de tempo. Fisher vai além.
[…] a forma mais poderosa de desejo é a busca, a ânsia, pelo estranho, pelo inesperado, pelo esquisito. Uma busca que só pode ser atendida por artistas e profissionais de comunicação que estão preparados para oferecer às pessoas algo diferente daquilo que já as satisfaz; ou seja, pelos que estão preparados para assumir algum tipo de risco.
O efeito da instabilidade estrutural permanente, o “cancelamento do longo prazo”, é invariavelmente estagnação e conservadorismo – não inovação. Não se trata de um paradoxo. Como os comentários de Adam Curtis deixam claro, o medo e o cinismo são os afetos dominantes no capitalismo tardio. Essas emoções não inspiram empreendimentos ousados ou saltos criativos: geram, ao contrário, conformidade e o culto da variação mínima, a distribuição de produtos que se assemelham muito aos que já se mostraram bem-sucedidos.
Filmes como Solaris e Stalker de Tarkovsky – saqueados por Hollywood sem parar desde Alien e Blade Runner – foram produzidos nas condições ostensivamente moribundas do regime soviético sob Brezhnev; o que significa que a União Soviética acabou agindo como empreendedor cultural para o benefício de Hollywood.
Tendo dado alguns exemplos instigantes (um de ideias que eu não expressaria tão bem e outro de ideias novas para mim até o momento da leitura), vou encerrando esse texto. Não porque não haja mais passagens a indicar, é justamente o contrário. Tem umas 400 linhas só desse livro no My Clippings.txt
. Essas acima foram as que dei sorte de “bater o olho” enquanto faço esse texto. Ficar tentando selecionar as melhores seria cometer uma injustiça com o livro. Tenho certeza que me arrependeria da seleção depois.
Cito a quantidade de marcações justamente para reiterar: leia Realismo Capitalista.